Por Jota Christianini
Xaveco talvez fosse a palavra mais apropriada naqueles tempos. A cidadezinha perdida nos confins do Paranazão de há muito havia deixado de lado os escrúpulos quando o assunto era futebol. Se a maioria da população era ordeira e trabalhadora, se as crianças frequentavam o catecismo e a missa dominical continuava lotada, com certeza a moral e os bons costumes haviam passado ao largo quando a bola de futebol era o centro das atenções.
Os motivos vinham de longe mas ainda imperavam. Tempos passados , alguns “coronéis dos sertões” assumiram o controle dos dois principais clubes de futebol da cidade e colocaram em prática métodos e hábitos dos mais estranhos. Era suborno de juizes, de adversários e até o máximo em criatividade; pagamento de propina aos próprios jogadores para que não se deixassem subornar.
Os coronéis foram embora mas a pratica continuou.
Fim de linha de trem, barrancas do rio, cidade esquecida pelo progresso e pela sorte. Não progredia.
Mas a pratica do xaveco continuava. Bastava ter uma decisão e pronto começavam as fofocas. A prática de trazer jogadores veteraníssimos, quase sempre em decadência moral e financeira alimentavam as fofocas.
Naquele ano não podia ser diferente. Os dois times locais decidiriam o regional naquele domingo de muito sol.
A cidade passou a semana inteira discutindo quem subornaria quem, quem botaria o juiz na gaveta, enfim pouco se falava sobre quem era melhor. Especulava-se quem era o mais esperto.
O União, alvi-negro tinha em Nininho , centro avante, seu jogador mais conhecido. Jogara na capital paulista e em diversos estados da federação, tivera algum destaque mas cada elogio ao seu futebol era acompanhado com a expressão “ah! se ele não bebesse tanto!”. Morava numa cidade próxima onde completava seu orçamento como funcionário da funerária. Já o Olímpico, o “vermelhão das barrancas” tinha no goleiro Nardão a sua figura principal. Começara em Londrina, correra quase todos os times do Paraná, mas agora decadente ganhava uns trocados , enquanto esperava o prometido emprego na Prefeitura de Bataguassu. Os dois jogadores tinham em comum a amizade adquirido por este interior, sem fim, nos homéricos porres que tomavam.
As suspeitas permaneciam no ar. Quem se venderia? E para quem?
O jogo começou nervoso e assim correu todo o primeiro tempo, embora sem nenhuma oportunidade real de gol . Todo mundo, a torcida, os cartolas e a única emissora de rádio local, de olho no comportamento de todo mundo.
O segundo tempo foi mais calmo. Muito sol e a idade avançada da maioria dos jogadores arrefeceu um pouco o entusiasmo do começo. Na verdade a maioria jogava naqueles times para viver, com um pouquinho mais de dignidade, a sua veteranice e decadência esportiva.
Minutos finais, expectativa muito grande. O Olímpico atacou e conseguiu dois ou três escanteios a seu favor. Com isso aglomeraram-se na área do União praticamente todos os jogadores. De repente um rebote da defesa alvinegra , pegou Nininho sozinho lá na frente. Dominou , sem muita vontade é verdade , mas como estava sozinho e ninguém por perto foi praticamente obrigado a marchar para o gol adversári .
Foi se chegando e nada do Nardão tentar a defesa. Quando já estava praticamente na linha da pequena área em puro desespero Nininho gritou
– vem ni mim Nardão
– vou nada, meu !
– vem logo Nardão! Que eu to vendido!
– num vou que eu também “tô”.
Daí para frente foi patético. Os dois desabaram como se atingidos por uma raio fulminante. Desmaiaram e caídos ficaram.
Era o peso da consciência.
10 respostas em “Xaveco”
Jota, sua coluna deve ser diária!!! Abraços!
Saudades disso tudo Jota!
Não nos deixe mais órfãos dos teus causos!
Olha, pelo jeito a prática de ‘xavecar’ vem de longa data.
Saudades destes causos Jota….. espetacular!!!
Hoje em dia a coisa “profissionalizou” de uma forma que temos Nininhos e Nardões como CEO, etc, etc….
Parabéns pelo causo Jota!
Muito bom Jota. No nosso futebol está cada vez mais pobre e cheio de nininho!!! Infelizmente!!!
O nome dele completo é Leandro nininho.
Grande Jota, fazia tempo que você não contava um dos seus “causos”, estava com saudades dessas histórias que fazem do futebol o que ele é: um esporte único. Muito bom tê-lo de volta.
Olá Jota, o jogador no desenho acima é o Nininho ou o Nardão? (rsrs)
No futebol de hj os nininhos e os nardoes nao entram em campo. Regra geral os coroneis os conhecem bem e tb atuam no extra campo. E eles decidem campeonatos. So que não desmaiam nao. Eles aproveitam muito bem a grana enquanto nos pobres torcedores sofremos. E não é preciso de muito conhecimento ou bola de cristal para saber onde estão os nininhos e nardoes do nosso futebol.
Tem muitos Nininhos por aí….