Por Jota Christianini
Mestre Brandão era inconfundível. Tinha um jeito todo especial e não abria mão de suas convicções.
Aclamado por toda a imprensa e torcida, foi chamado a treinar a seleção brasileira para a Copa de 78. Perdeu o posto ao empatar contra a Colômbia em Bogotá no primeiro jogo das eliminatórias. Foi demitido no avião, substituído por Cláudio Coutinho, e o resultado da brincadeira todos sabem. Já em 1974 o Palmeiras de Brandão cedeu seis jogadores para a seleção e o antenado, esperto e sempre atualizado Zagalo nunca os colocou juntos.
Deu no que deu.
Oswaldo Brandão, um mediano jogador gaúcho, chegou ao Palmeiras na metade dos anos quarenta. Machucou-se e não pode mais jogar. Tornou-se treinador do clube e já no primeiro ano, 1947, foi campeão paulista.
Brandão foi único. Campeão paulista pelos três grandes da capital, treinou também o Santos e a Portuguesa onde obteve títulos. Foi campeão no Uruguai e Argentina pelo Independiente. Neste clube ganhou a partida decisiva ao titulo, e nem esperou a volta olímpica. Despediu-se dos jogadores ainda no gramado. O locutor da rádio Rivadávia, José Maria Muñoz, lenda e glória da imprensa platina discursava emocionado pedindo que Brandão ficasse. Cada vez que ouvia a gravação o Mestre chorava.
Tinha um estilo peculiar de dirigir um time; usava linguagem toda própria:
“Tem que chegar junto”; “dá e saí“; ou a definitiva: “para ganhar é só marcar um gol a mais que eles”.
Intuitivo; ganhava campeonatos explorando situações que aos outros pareciam irremediavelmente contrárias.
Certa vez, expulso Ademir da Guia no último minuto do primeiro tempo, tirou o zagueiro João Carlos do Palmeiras no intervalo e colocou o armador Madurga. Ganhou a partida contra a Portuguesa no final do 1o turno do Paulista de 72 por 3×0.
Em 1972 foi brilhante: além ganhar cinco títulos num ano só, bateu o pé, insuflou o Palmeiras, que até anuncio em jornal colocou, mas exigiu a final no Pacaembu. Nada de Morumbi. Os adversários vociferavam pela imprensa, e o Mestre calado, mas de vez em quando dava um recado na linguagem do bilhar.
— Conheço a mesa, sei as descaídas da bola!
O jogo foi no Pacaembu e o Verdào foi campeão.
A cena final é patética; o dirigente do outro clube, cujo presidente era governador do Estado e estava no banco de reservas, abandona o time e vai embora antes do jogo acabar. Tem que passar em frente a torcida do Palmeiras e pelas cabines de rádio, coloca uma toalha na cabeça e humilhado vai embora. O nome do dirigente era Poço, ele estava no fundo.
Ele passa, todos olham para o Mestre.
Limita-se a consultar o relógio e acender outro cigarro, para iluminar mais uma vitória.
Mario Morais, comentando o jogo pela Radio Nacional, vê a cena e não perde
— O Poço passa !
Suas entrevistas eram fascinantes. No aeroporto de Congonhas um repórter de rádio açodado, pediu: “Brandão, você pode me dar o time que vai jogar?”. O mestre foi claro: “Posso sim, são aqueles que estão de terno, tomando café, pode levar todos”.
No banco de reservas em dia que o time estava muito mal: “Como o senhor está vendo o jogo?”.
– Pelos óculos, meu filho, pelos óculos“.
Mandou Dudu marcar o “loirinho 14” em cima. O 14 era Cruyff.
Perguntado como César jogaria ele foi definitivo. “De calção, camisa, meias e chuteiras”.
E quando Roberto Carmona, eterno repórter volante, perguntou como o time entraria em campo, Brandão cortou rente. “Entrará pela porta e jogará com onze, que se eu pudesse colocava 12, mas a FIFA não deixa”. Ou respondendo ao mesmo Carmona porque colocara o Toninho Vanuza bem aberto na esquerda: “Porque fica mais perto da saída”.
Nei assinou contrato novo e comprou um carrão. Dia seguinte Brandão sentenciou.
— Comprou um carro, mas a sua mãe mora de aluguel não é! Vai ficar fora da viagem a Espanha (Nei não jogou na conquista do Carranza 74) e quando eu voltar quero ver duas coisas; esse carro vendido e escritura de uma casa em nome de tua mãe, caso contrário não joga mais no time.
Quinze dias depois o Nei voltava ao time e a mãe dele saia do aluguel.
Mestre Brandão morreu duas vezes. Quando seu filho Márcio vitima da mais traiçoeira das moléstias, que lhe afetou o cérebro, morreu aos 28 anos o mestre perdeu uma parte de si mesmo, justamente quando o orgulhoso pai dizia que as esperanças eram maiores na cura do garoto, pois este, no sábado anterior, havia conseguido dirigir 400 quilômetros (Márcio era piloto de corridas e modelo fotográfico). Este jogo ele perdeu. A partir daí Oswaldo Brandão perdeu o gosto. Algum tempo depois nós perdemos o mestre.