História dos dérbis: Palestra Italia 8×0 Corinthians

80 anos esta tarde
Causo publicado 5 de novembro de 2013 no 3vv.com.br por Jota Christianini na seção Meninos eu Vi.

E à noite nas tabas
Se alguém duvidava
Do que ele contava
Dizia, prudente:
Meninos eu vi!
I Juca Pirama – Gonçalves Dias

O domingo amanheceu diferente, meu avô, em visível sobressalto, estava alegre demais, muito mais do que costumava nos domingos ensolarados da velha Lapa.

Eu, então, nem se fala, estava radiante, alegre, mais alegre do que quando meu pai levou-me tomar sorvete na Sorveteria Nevada do Vale do Anhangabaú.

Pudera! Meu avô, meu pai e eu iríamos ao Parque Antárctica ver o Palestra jogar.
Nem eu sabia direito porque, mas algo dizia que aquele 5 de novembro de 1933 nunca mais seria esquecido. O Palestra jogaria contra o Corinthians a quem havia goleado, não fazia muito tempo, por 5×1 no campo deles, na Fazendinha.

Às 13 horas pegamos o bonde na rua Guaicurus, o famoso 35, descemos na Avenida Água Branca então empoeirada e fomos para a frente do estádio. Já era bonito o Parque Antárctica, e mais do que tudo como dizia meu avô. Era nosso! Tínhamos comprado o estádio há mais de 10 anos, mas tínhamos terminado de pagar a conta havia pouco tempo. Enfim tudo aquilo era nosso.

Os bondes despejavam centenas de pessoas que queriam ver o jogo. Os jornais da época, pasmos com essa situação, bradavam. “Onde pensam que vão estes operários italianos, o que eles querem, nos seus dias de folga, lotando os bondes para ver o Palestra jogar. O que eles vão querer depois?”.

Eles veriam mais tarde que queríamos o mundo.

O jogo começou e no primeiro tempo o Palestra fez três gols. 3×0 os três gols do Romeu Pellicciari.

Meu pai assistia ao jogo calado, não acreditava no que estava vendo, meu avô exultava. Comprou, para mim, de uma só vez: Sissi, Gasosa e Guaranã, o pai e o nôno tomavam Faixa Azul e todos comíamos pizzas, que eram vendidas em pequenos tambores.

Começou o segundo tempo com menos de um minuto Gabardo fez o quarto gol, foi só pizza que voou. Romeu aos 7, Imparato aos 9 fizeram mais dois gols; imaginem que aos nove minutos já estava 6×0. Ninguém se entendia mais, todo mundo gritava e se abraçava. O jogo ainda não tinha acabado, havia tempo para que Imparato ainda fizesse mais dois gols.

Oito a zero. Inacreditável o Palestra, de todos nós, enfiava 8×0 no Corinthians.
Terminou o jogo, a festa era geral, ao invés de voltar para a Lapa meu avô ordenou; todos para a Patriarca e lá fomos de bonde para a sede do Palestra.
O ritual no bonde era delirantemente monocórdico: oito! oito! oito! oito! oito!
Lembro de uma menina, acho que tinha a minha idade, que acompanhava o canto com todo amor que ela dava ao Palestra; usava um vestido verde e branco e na única oportunidade em que se podia ouvir alguma coisa, perguntei-lhe o nome: Eddy disse-me a menina.

Chegamos a Patriarca a massa delirava:

a nossa turma é boa
é da Patriarca
arca! arca! arca!
Palestra! Palestra!

Voltamos para casa, já era noite. A mãe e a nôna nos esperavam com pizza, os vizinhos vinham nos cumprimentar invejosos, afinal nós estivemos lá.

70 anos esta tarde! eu estava lá, eu vi*.

Onde vocês estiverem: Gabardo, Romeu, Avelino, Imparato, Nascimento, Junqueira, Carnera, Tunga, Dula e Tufi e Lara o meu, o nosso, eterno agradecimento.

A festa foi grande, o vô abriu um Chianti e que minha mãe não saiba, mas uma certa hora ele colocou um pouco do vinho na minha gasosa.
Aquela noite merecia, aquela noite choveu prata!

JOTA CHRISTIANINI

***

*NA: Escrevi esse conto em 5 de novembro de 2003, mas ele é para sempre.
A vitória ocorreu em 5 de novembro de 1933 pelo Campeonato Paulista.

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