A Arrancada Heroica de 20 de setembro de 1942…
Ou então:
… e seu significado para os Italianos e seus descendentes
Publicado em 20/09/2023…..
Por Vicente Criscio
A história do futebol está repleta de momentos emblemáticos que transcendem as quatro linhas do campo, e um desses momentos ocorreu em 20 de setembro de 1942, quando tivemos o evento conhecido como “Arrancada Heroica”.
Na data de hoje, 20 de setembro de 2023, celebramos 81 anos desse evento, simbolizado na partida Palmeiras 3×1 São Paulo no Estádio do Pacaembu.
Essa partida não apenas marcou um feito esportivo notável, mas também carregou um significado profundo para os italianos, especialmente naquele período histórico conturbado da Segunda Guerra Mundial.
Nesse aniversário de 81 anos, vamos falar do contexto histórico, o desenrolar daqueles dias que antecederam a troca de nome, a ameaça da tomada do Clube e do Parque Antarctica, o desenrolar da partida e o simbolismo que a Arrancada Heroica teve para os italianos naquele momento.
Contexto histórico
Antes de Mussolini assumir o poder, a Itália enfrentava uma série de desafios econômicos e sociais. Durante o final do século XIX e início do século XX, o país passou por um processo de unificação e industrialização tardio em comparação com outras nações europeias. Isso resultou em disparidades regionais, com uma economia mais desenvolvida no norte industrializado e uma economia agrícola mais tradicional no sul.
Na virada do século XX, e no período anterior à Primeira Guerra Mundial a Itália sofreu com problemas socioeconômicos, como altos níveis de pobreza, desemprego, inflação e instabilidade política.
Foi nesse período que ocorreram as grandes migrações europeias para a América do Sul. E o Brasil era um lugar considerado como “terra de oportunidades”. O imigrante que aqui chegava vinha não apenas para fugir da crise econômica na Europa, mas com o sonho de ter uma vida digna e ajudar o desenvolvimento de uma nova nação.
Enquanto isso, na Itália, Benito Mussolini chegava ao poder em 1922. Mussolini liderou o Partido Nacional Fascista em um governo autoritário. Prometeu restaurar a grandeza da Itália e resolver os problemas enfrentados pelo país.
Inicialmente, Mussolini ganhou apoio de diferentes setores da sociedade italiana por várias razões:
1. Estabilidade e ordem: A Itália enfrentava um período de instabilidade política, com governos fracos e frequentes disputas partidárias. Mussolini prometeu restaurar a ordem e estabelecer um governo forte e centralizado, o que atraiu muitos italianos que buscavam estabilidade.
2. Nacionalismo e orgulho italiano: Il Dulce explorou o sentimento de nacionalismo italiano e o desejo de recuperar o prestígio e a glória passada da Itália. Promoveu a ideia de que a Itália deveria ser uma grande potência e resgatar sua influência no cenário internacional.
3. Combate ao comunismo: O contexto pós-Primeira Guerra Mundial foi marcado pela disseminação do comunismo na Europa. Mussolini se apresentou como um líder anticomunista e promoveu a ideia de que o fascismo era uma resposta eficaz para combater o avanço do comunismo.
4. Promessas de desenvolvimento econômico: Mussolini prometeu modernizar a economia italiana e combater os problemas econômicos enfrentados pelo país. Ele implementou políticas de intervenção estatal na economia, como a criação de corporações industriais e a promoção de obras públicas, buscando estimular o crescimento econômico.
No início de seu governo, Mussolini conseguiu consolidar seu poder e obteve apoio de amplos setores da sociedade italiana. Entretanto, ao longo do tempo, o regime fascista se tornou cada vez mais autoritário e repressivo, levando a um declínio no apoio popular e ao isolamento internacional da Itália.
Já na década de 1940, a Itália mergulhou em um dos períodos mais sombrios de sua história. Benito Mussolini se aliou com a Alemanha nazista e entrou na Segunda Guerra Mundial.
As dificuldades iniciais e a tensão da 2a Guerra
Quando imigrantes europeus chegaram ao Brasil, seja no início do século ou logo depois da 1ª Guerra, o caminho natural era trabalhar nos campos, nas lavouras, principalmente aquelas dos barões de café do Estado de São Paulo.
Italianos, portugueses, espanhóis, depois japoneses, alemães, o Brasil era a nova terra prometida para esses imigrantes que vinham em navios, muitas vezes nos porões, para tentar fazer um novo país.
Assim, Era comum o preconceito dos quatrocentões paulistas contra os imigrantes. Muitos consideravam essa mão de obra vinda da Europa era quase uma mão de obra escrava e era comum que o tratamento dado a esses imigrantes fosse como uma “segunda classe”, ou uma classe social inferior.
Quando veio a 2ª Guerra Mundial o clima ficou pior para italianos, alemães e japoneses.
A pressão sobre italianos, alemães e japoneses
O Brasil, declarou guerra aos países do Eixo. Essa postura política afetou diretamente os clubes e instituições com nomes de origem estrangeira, levando muitas delas a adotarem nomes mais neutros ou brasileiros. Com o agravamento do conflito, o nome “Palestra Itália” começou a gerar problemas.
Ocorreram perseguições a italianos e descendentes, assim como para membros das colônias alemã e japonesa.
Em 11 de março de 1942 foi publicado o DECRETO-LEI Nº 4.166, que dispunha sobre as indenizações devidas por atos de agressão contra bens do Estado Brasileiro e contra a vida e bens de brasileiros ou de estrangeiros residentes no Brasil.
Em outras palavras, ativos desses imigrantes, agora brasileiros, poderiam ser tomados pelo Governo Vargas. A necessidade de mudança de nome era iminente e muitas vezes nem mesmo isso permitiria preservar os ativos que essas instituições trabalharam para ter.
DECRETO-LEI Nº 4.166:
Art. 1º Os bens e direitos dos súditos alemães, japoneses e italianos, pessoas físicas ou jurídicas, respondem pelo prejuízo que, para, os bens e direitos do Estado Brasileiro, e para a vida, os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, domiciliadas ou residentes no Brasil, resultaram, ou resultarem, de atos de agressão praticados pela Alemanha, pelo Japão ou pela Itália.
Art. 2º Será transferida para o Banco do Brasil, ou, onde este não tiver agência, para as repartições encarregadas da arrecadação de impostos devidos à União, uma parte de todos os depósitos bancários, ou obrigações de natureza patrimonial superiores a dois contos de réis, de que sejam titulares súditos alemães, japoneses e italianos, pessoas físicas ou jurídicas.
Mudança de nome
Com a ameaça da perda do clube, os dias que antecederam a mudança de nome foram tensos. Boatos de tomada do Parque Antarctica ficavam cada vez mais fortes.
A transição do nome Palestra Itália era fundamental para preservar a instituição e seus ativos.
O processo foi gradual e ocorreu ao longo das semanas anteriores à mudança oficial. Vários momentos marcantes contribuíram para essa transição. Já em março de 1942 o o Palestra Italia passou a se chamar Palestra de São Paulo. Mas não era suficiente. A pressão foi ficando mais intensa.
A partir de agosto, as ações de Vargas foram mais contundentes:
1. Getúlio Vargas decreta aliança contra o Eixo, em 31 de agosto de 1942!
2. Uma semana depois Vargas faz discurso forte contra os países do Eixo.
3. Reunião da Diretoria do Palestra, em 14 de setembro: Dada a pressão cada vez mais forte sobre os clubes de origem italiana, alemã e japonesa a mudança de nome era iminente. Em 14 de setembro de 1942, uma reunião entre Diretores do Palestra Italia foi realizada, onde veio a proposta de mudança do nome do clube para Palmeiras. Foi aprovada por ampla maioria.
3. Assembleia Geral em 19 de setembro: Após a proposta aprovada pela diretoria cinco dias antes, o nome Palmeiras foi ratificado oficialmente em nova Assembleia, em 19 de setembro de 1942. Essa data marca o fim da era Palestra Itália e o início de era Palmeiras, uma nova identidade para o clube.
***
Esses momentos foram essenciais na transição do Palestra Itália para Palmeiras, representando uma mudança significativa na história do clube e refletindo os desafios enfrentados pela comunidade italiana durante a Segunda Guerra Mundial.
A mudança de nome permitiu ao clube continuar sua trajetória no futebol brasileiro, abraçando uma identidade mais inclusiva e alinhada com o contexto político e social da época.
A partida épica
No dia 20 de setembro de 1942, o Palestra Itália, agora Palmeiras, enfrentaria o São Paulo Futebol Clube em um jogo que ficou marcado na memória dos italianos.
Até 19 de setembro de 1942, o então Palestra de São Paulo estava invicto fazia 11 jogos. O São Paulo precisava vencer para ser campeão.
A partida seria no Estádio Municipal Pacaembu. Muitos tinham receio sobre como os torcedores rivais receberiam o clube com ameaças inclusive de violência. Daí a entrada do Capitão Adalberto Mendes à frente do time, carregando a bandeira brasileira.
A imagem ficou marcada para os palmeirenses.
Dentro de campo, iniciada a partida, tudo era muito tenso, por todo o contexto da mudança de nome e das ameaças de perder o Palestra/Palmeiras não deu chances ao rival.
Claudio abriu o placar para o Palmeiras aos 19’ do 1º tempo. O São Paulo empatou com Waldemar de Brito aos 23’. Mas Del Nero, aos 43’ da primeira etapa colocou o Palmeiras novamente em vantagem.
No 2º tempo o argentino Echevarrieta aos 14’ fez o terceiro gol. E minutos depois, Og Moreira foi derrubado na área pelo são paulino Virgílio. Pênalti e expulsão do jogador adversário.
O Palmeiras faria 4×1 e o rival com um a menos. Eles fugiram de campo para evitar a cobrança de pênalti e o vexame maior da goleada.
O Palestra morreu invicto nesse dia, e nasceu o Palmeiras, campeão.
Significado para os italianos
A Arrancada Heroica de 20 de setembro de 1942 transcendeu o âmbito esportivo e se tornou um símbolo de esperança e resistência para os italianos da época. Em um momento em que o país enfrentava dificuldades e incertezas devido à guerra, a vitória do Palestra Itália representou uma luz no fim do túnel, um exemplo de que mesmo em situações adversas, a perseverança e a determinação poderiam levar ao triunfo.
Em uma reflexão livre, sem qualquer evidência histórica mais contundente, podemos atribuir o termo ARRANCADA HEROICA ao fato dos jogadores saírem do estádio e adentrarem ao gramado liderados pelo Capitão Adalberto.
Há também outra reflexão. Naquele ano o São Paulo FC era o favorito e liderava o campeonato. Mas a certo ponto o então Palestra de São Paulo fez uma grande arrancada, vencendo vários jogos de forma consecutiva até ultrapassar o adversário.
De qualquer forma o termo ARRANCADA HEROICA ficou cunhado para a história e para a memória do torcedor. A passarela hoje sobre a Av. Pompeia homenageia esse fato.
Além disso, o jogo simbolizou o orgulho italiano e a identidade cultural dos imigrantes italianos no Brasil. A vitória do Palestra, um clube com origem na comunidade italiana, foi celebrada como uma conquista pela própria comunidade e até hoje é celebrada por aqueles que cultuam a história palestrina e não deixam ela se apagar com o tempo.
Parabéns Sociedade Esportiva Palmeiras.
Saudações Alviverdes!
Nota do Editor: Eventuais erros ou omissões aqui apresentadas, por favor, colocar nos comentários e ajustaremos o post com todos os créditos.
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Agradecimentos
Luciano Pasqualini e Danilo Cersosimo, por contribuições ao texto.
Fernando Galuppo, por imagens.
Luis Saru pela edição de vídeo.
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Ademir Divino, Primeiro Campeão Mundial
Escalação ideal para o jogo de hoje contra o Grêmio que pode deixar o Verdão muito próximo da liderança:
Weverton, Mayke, Gustavo Gomez, Murilo e Piquerez; Zé Rafael, Gabriel Menino e Raphael Veiga; Artur, Rony e Kevin.
Esquema 4-3-3 com o Kevin atuando na ponta esquerda no lugar do Dudu, já que é o jogador do elenco mais preparado taticamente para exercer a função no lugar do baixola. Nada de improvisações para hoje, professor Abel.
Meu palpite de placar é Palmeiras 1 x 0, com mais um gol de Raphael Veiga no Grêmio e firme no encalço do Foguinho. AVANTE PALESTRA, RUMO AO DUODECA DO BRASILEIRÃO!