Opinião: a saída de jovens jogadores e o que podemos fazer

Por Vicente Criscio

A derrota da Seleção Brasileira nos penais para o Uruguai pela Copa América na última sexta-feira não causou o menor trauma ou trouxe a menor preocupação para a maioria dos torcedores palmeirenses que eu conheço.

Pra mim, pelo menos, foi indolor!

Afinal de contas, muitos, como eu, torceram pela última vez para a “amarelinha” no longínquo ano de 2002, na campanha do Penta, comandada por Felipão e São Marcos. Depois disso, poucos motivos existiram para o palmeirense torcer para uma seleção que em sua maioria agrega jogadores por critérios políticos ou por conveniência de empresários.

Mas essa derrota em especial despertou preocupações, e textos, e entrevistas, de diferentes atores, que nessas horas buscam culpados ou vilões. Perguntavam eles: nosso problema é a falta de amor à camisa do jovem jogador que sai daqui antes de sentir na pele o que é ser campeão pelo seu time no seu país? É o excesso de glamour? É o Tik Tok? É o loteamento de anos da seleção para empresários?

Aí sou eu que provoco o tema para reflexão: será um problema estrutural?

Quem fez o apontamento mais claro de UM DOS PROBLEMAS foi o veterano treinador Marcelo Bielsa, conhecido como “Louco Bielsa” (que de louco não tem nada), atualmente treinador da seleção uruguaia. Após a classificação do Uruguai sobre o Brasil por 4×2 nos penais, Bielsa fez uma entrevista coletiva excelente, apontando o dedo em um dos problemas mais sérios atualmente do futebol brasileiro. Veja reprodução no final desse texto.

A expatriação precoce

Mas dando uma pausa na preocupação sobre a Seleção Brasileira, busquei inspiração nesse assunto para também colocar reflexões nesse longo texto sobre a preocupação mais recente do palmeirense. A saída de jovens jogadores do nosso time!

Fiz uma pesquisano excelente site transfermarkt.com.br. Busquei quantos jogadores o Brasil “exportava” em 2000/2001 para fora. E quanto faz hoje em dia.

Os números não surpreendem quem acompanha o futebol há tanto tempo como eu ou você querido e desacostumado leitor do 3VV.

Na temporada 2000/2001 (o Transfermarkt segue o calendário europeu) o Brasil “vendeu” direitos econômicos ao mercado internacional de 18 jogadores. Não considerei nesse número empréstimos de jogadores daqui pra lá, nem final de contrato de empréstimos de quem estava jogando aqui e precisava retornar ao seu clube lá fora.

Perfil das transações de 2000/2001 de jogadores do futebol brasileiro para o mercado internacional*

  • 18 transações.
  • Idade média de 23 anos.
  • Quatro jogadores tinham entre 18 e 20 anos.
  • Apenas duas transações para times de primeira linha na Europa (Roque Junior que saiu do Palmeiras para o Milan com 23 anos, e Vampeta, que saiu do Corinthians para a Inter de Milão).

Passados 23 anos, na temporada 2023/2024, temos uma fotografia bem diferente.

Perfil das transações de 2023/2024 de jogadores do futebol brasileiro para o mercado internacional*

  • 171 transações.
  • Idade média de 24 anos.
  • 30 jogadores entre 18 e 20 anos.
  • Cinco jogadores para times de primeira linha na Europa: dois para o PSG, dois para o Chelsea e um para o Barcelona; idade média de 18 anos.

A primeira pergunta do leitor seria…. e daí? O que podemos concluir? Quais transformações ocorreram no mercado de compra e venda de direitos econômicos de times do Brasil para fora?

Algumas constatações óbvias….

Analisando-se a diferença entre o que ocorreu em 2000-2001 e 2023-2024, seguem alguns highlights:

  • O número de transações cresceu 9,5x (de 18 transações para 171).
  • A idade média dos jovens que saíram permanece a mesma (23 a 24 anos de idade).
  • Em termos relativos, saiam mais jogadores entre 18 e 20 anos (22% de transações) em 2000-2001 do que em 2023-2024 (17%).
  • O mercado cresceu principalmente nas ligas e times de segunda e terceira linha, enquanto os times de primeira linha (em uma liberalidade minha eu defini times de primeira linha: Real Madrid, Barcelona, Arsenal, Liverpool, Man. Utd., Chelsea, City, Juve, Inter, Milan, Bayern, PSG) estão contratando com idade entre 18 e 20 anos (diferente do que faziam 23 ano atrás).
  • O mercado internacional também mudou. Os grandes clubes, sejam os de primeira ou segunda linha, contratam jovens de 18 a 20 anos. Preferem terminar a formação do atleta, e assim conseguem pagar um pouco mais barato, principalmente no mercado brasileiro.

Esse último ponto é importante para destacar outro indicador que cresceu bastante entre 2000-2001 e 2023-2024: o crescimento expressivo das transações de revenda de jogadores.

  • Na temporada 2000-2001 foram feitas 15 transações (todas de clubes europeus) envolvendo jogadores brasileiros. A idade média era de 24 anos.
  • Na temporada 2023-2024 foram feitas 319 (!!!) transações entre clubes fora do Brasil envolvendo jogadores brasileiros. A idade média foi de 27 anos.

Acho que está claro que comprar e vender direitos econômicos de jogadores brasileiros (e de mercados emergentes, como Argentina, Colômbia, países africanos) não se trata apenas de fazer Real Madrid e outros ficarem fortes: trata-se de grana!

E o Palmeiras?

Até pouco tempo atrás o palmeirense não estava acostumado com isso! Sentimos essa sensação de perder um jovem jogador para a Europa em agosto de 2016, oito anos atrás, quando Gabriel Jesus foi negociado com o Manchester City. Foram 32 milhões de euros, onde 20,75 milhões (de euros) ficaram para o Palmeiras.

E antes disso, muitos palmeirenses nem eram nascidos: em 2004, o Palmeiras vendia Vagner Love, então um jovem atacante revelado pela base palmeirense, por 5 milhões de dólares.

Portanto, as movimentações recentes de venda de direitos econômicos de jovens revelados pela base, é algo novo para o palmeirense. Puxando rapidamente pela memória, e fazendo rápida consultan no transfermarkt.com.br perdemos Danilo, no início de 2023, então com 21 anos de idade, para o Nottingham Forest, por 10 milhões de euros. O jovem volante, quando saiu, tinha sido bi campeão da Libertadores, campeão brasileiro e paulista, dentre outros.

Ainda em 2023, o anúncio da saída de Endrick, então com 17 anos, por 43 milhões de euros, não foi exatamente uma surpresa. O jovem atacante ficaria até completar 18 anos, em meados de 2024. Foi o que aconteceu.

Agora, recentemente, tivemos a negociação de Estevão, em abril de 2024. O atleta de 17 anos, artilheiro palmeirense no Campeonato Brasileiro, irá para o Chelsea, por algo em torno de 61 milhões de euros, quando já tiver completado 18 anos, na janela de transferência em julho de 2025.

Junto com ele, e quase desapercebidamente, saíram outros jovens, como Luis Guilherme, 18 anos (em 2024, 23 milhões de euros, West Ham), Kevin, 21 anos (em 2023, 12 milhões de euros, Shaktar Dohnetsk, Ucrânia), Giovani, 19 anos (em 2023, 8 milhões de euros, Al Sadd no Qatar). E ainda outros, seja para mercado interno por iniciativa do Palmeiras, seja para mercado externo: Veron, Wesley, Danilo, Gabriel Silva, e até Yan, para o Yokohama do Japão.

Foram cerca de 120 milhões de euros, somente com esses jogadores, sem contar Estevão.

Ah… e não para por aí: o Palmeiras tem ainda mais 12 jogadores que vieram da base, entre 19 e 23 anos, emprestados para clubes do Brasil (ou fora) para ganharem experiência. Alguns deles podem vingar e serem titulares, ou ainda gerarem mais euros para a conta do clube.

Ou seja, a base palmeirense, reestruturada na gestão Paulo Nobre, e onde temos o brilhante João Paulo Sampaio coordenador de toda essa infra-estrutura, alavancada por Abel Ferreira desde 2020.

Dá pra segurar?

Abel Ferreira em suas coletivas vêm comentando sobre isso. Na venda de Estevão, o treinador comentou que “pedi para a Presidente não vender, mas vocês sabem qual a diferença entre o Euro e o Real?“.

O fato é que muitos desses jovens jogadores, para não dizer que 100% deles, quando começam suas carreiras no futebol, no Sub-11, Sub-13, sub qualquer idade, pensam somente “naquilo“: fazer uma grande negociação com um clube europeu e ganhar dinheiro lá fora.

Por que? Generalizando, podemos considerar que a grande maioria destes vieram de famílias humildes, e ganhar dinheiro com o futebo passou a ser o sonho do garoto, do pai, da mãe, dos irmãos, primos, tios e até do cachorro, se este tiver um. Claro, passando pelo interesse do empresário, que tem um faro muito bom para pegar a assinatura do pai, do filho e de quem mais for necessário para estar lá na hora da transação.

Então, poderíamos adaptar a metáfora: fogo morro acima, água morro abaixo, e jogador (empresário e família) que recebe uma boa proposta do exterior para ser vendido… ninguém segura.

Respondendo portanto o título do tópico: não! Não dá pra segurar.

Há exceções?

Poucas. Mas há! Neymar foi uma delas. O jogador tinha proposta (salvo engano) desde os 16 anos do Real Madrid, depois Barcelona. Neymar Pai, seu empresário na época, foi negociando com o Santos um aumento da participação do próprio Neymar e de outros investidores (Grupo DIS entre eles) em seus direitos econômicos e foi ficando.

Sua transferência ocorreu em 2013, então com 21 anos. O Santos tinha pouco mais de 50% dos direitos econômicos e a negociação com o Barcelona foi bem complexa. Tempos depois ocorreu um imbróglio enorme entre o Grupo DIS e o Santos e Neymar, onde representantes do Grupo afirmam que foram enganados na transação.

Então… qual a solução?

Para manter o jogador no Brasil, pouca coisa pode-se fazer. Mas, pode-se pelo menos tentar pensar fora da caixinha.

O primeiro passo seria criar projetos para aumentar o interesse dos jovens jogadores em jogarem no Brasil, pelo menos até os 22, 23 anos. Mais do que apenas viabilizar economicamente a vida desses jovens atletas e suas famílias, deixá-los ricos!

Nosso querido Jota Christianini (no instagram @jota.historia) em suas redes sociais já comentou sobre isso. Criar uma espécie de empresa em volta do jogador. Atrair investidores. Transformar o jovem atleta em uma marca. Vender cotas para investidores, vender patrocínio do atleta, transformá-lo também em um produto de marketing.

Mas há outros temas que dificultam a implantação dessa estratégia. Há aspectos sociais, culturais, e até mesmo a situação econômica, política e principalmente de segurança (ou da falta de) no Brasil, são motivadores para todos eles darem adeus precocemente.

Portanto, se é difícil manter, a outra forma inteligente de se lidar com o problema é saber usar o dinheiro.

Dinheiro na mão é vendaval

O Palmeiras arrecadou ou irá arrecadar, com as transações de atletas da base, entre 2022 e 2024 (incluindo Estevão) mais de 200 milhões de euros. Ou seja, mais de um bilhão de reais.

A Presidente Leila Pereira está investindo também. Trouxe bons jogadores, principalmente nesse ano de 2024. Felipe Anderson, Mauricio, Agustin Giay, Rômulo, além de outros que ainda estão sob o exigente olhar do torcedor palmeirense (Caio Paulista, Bruno Rodrigues, Lázaro). Portanto, parte dessa receita de venda foi usada para reforçar o time.

Mas vou copiar a ideia de meu amigo Rogério Dezembro, dando todos os créditos. Dado que é praticamente inevitável a venda, que o dinheiro (muito dinheiro) que está sendo gerado principalmente com esses jovens atletas, forjados nas categorias de base palmeirense, seja usado dentro da infra-estrutura.

E, dado que o clube social, aquele que administra o negócio Palmeiras, é sempre muito mais volátil e com sérios prolemas de governança, que tal criar um Fundo Patrimonial (endowment), ou uma espécie de SPE (Sociedade para fins Específicos), para colocar esse dinheiro, ou no mínimo 50% dele, para ser investido no próprio Patrimônio?

E como Patrimônio, quero dizer, na infra-estrutura das categorias de base (muito melhor hoje do que era 20 anos atrás mas ainda muito atrás das melhores estruturas do mundo). Desenvolver um novo Centro de Treinamento para as Crias da Base (no Clube de Campo, atualmente sucateado e com pouca utilidade), com escola do ensino fundamental ao médio, com toda a infra-estrutura de psicólogos e profissionais especializados em ajudar na formação não apenas do atleta, mas do homem, com vários campos de futebol, hotel, e toda uma infra-estrutura no entorno deles, que podem ser muito melhores do que as atuais e potencializar mais ainda a formação desses jovens jogadores?

E por que um fundo patrimonial? Porque deveria ser gerido por profissionais, com metas e visão de longo prazo. Os resultados desse tipo de empreendimento não ocorrem em três anos, mas seguramente viriam entre 5 e 10 anos.

É sonhar muito? Acho que não.

Infelizmente a estrutura associativa do Palmeiras, com um Presidente que se preocupa apenas com os três anos de seu mandato, vem impedindo a criação de projetos de longo prazo, com governança, profissionalismo e direcionamento claros, visando o bom uso dos recursos financeiros que esses garotos estão gerando para o Palmeiras.

E o risco é usar mal esse dinheiro, pagar déficits, empréstimos, despesas que nada tem a ver com o futebol, ou mesmo que tenha, mas que não deveriam ser misturadas com um tema tão relevante e estratégico.

E sobre a Seleção Brasileira?

Louco Bielsa está certo (veja abaixo parte da entrevista destacada pelo ótimo Parmera Mil Grau). O problema é a saída de jovens jogadores do país. Mas não é o único.

Calendário errado, CBF politizada, a própria lei geral do esporte que é uma esquizofrenia, dificuldade de se formar ligas entre os clubes (para que a CBF cuide exclusivamente daquilo que deveria ser mais sagrado para ela, ou seja, a marca da Seleção Brasileira), TV (aquela) dominando o Campeonato Brasileiro e pagando menos do que deveria, estes são os outros estressores que praticamente convidam o jovem jogador a se mandar pra Europa ou qualquer outro lugar do planeta na primeira oportunidades. E que no final do dia, acaba sendo um dos principais motivos do porque não termos uma seleção brasileira (em minúsculo mesmo) vencedora, que encante o torcedor, que não passe vexame.

Ou seja, para a Seleção Brasileira voltar a ser o que era, talvez tenha que nascer de novo.

Já para o Palmeiras fazer bom uso desse maravilhoso momento que passa suas categorias de base, é só ter vontade política e gente competente alocada para fazê-lo.

Concorda? Discorda? deixe seus comentários. A discordância (desde que educada) e o debate de ideias é sempre bem vindo por aqui.

Saudações Alviverdes!

***

Entrevista de Marcelo Bielsa no pós jogo Uruguai 0(4)x(2)0 Brasil, por Parmera Mil Grau.

No me ponga la obligación de contestar en un lugar comun, vacio…. (Bielsa, M)

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Comments (4)

  1. Diogo Belotto

    Muito boa análise, como sempre, vai direto na ferida do que vem ocorrendo no futebol brasileiro. E acrescento um fato que poucos (ou quase nenhum) citam: a chave virou com a Lei do Passe de 1997. Podem pesquisar, a partir do momento que essa lei entrou em vigor e os empresários começaram a mandar e desmandar no futebol (junto com a TV) o negócio começou a degringolar no quesito qualidade, e disparou na questão financeira para os envolvidos (exceto os clubes). E no caso da seleção, quem viu 2002 viu, quem não viu, sinto muito, pois duvido que algum dia o Brasil ganhe novamente uma copa enquanto esta Lei estiver em vigor da maneira como é.

  2. Análise profunda e meticulosa, concordo com a maior parte. Porém acho que você dá a Leila Pereira poderes que ela não tem, criar uma SPE não depende só da vontade dela, mas sim de uma movimentação política dentro do clube que com essa patota (conselheiros) que está aí não vai acontecer tão cedo.
    A única e perene solução é separar o clube do futebol, pode-se até pagar mais impostos com isso, mas somente assim você corta o vínculo com uma estrutura/pessoas com mentalidade arcaica e que no final só se preocupam com o que lhes interessa. Já passou da hora de termos o Palmeiras S/A.

    • Diogo Belotto

      Separar o futebol do social é o maior sonho, mas acredito que seja mais difícil do que a criação de um fundo patrimonial pra investimento na base. Qualquer uma dessas ideias dependem de aprovação de diversos setores/pessoas do clube, e a chance de acontecerem é ínfima, seja por má vontade política ou apenas por falta de interesse.

  3. Pinho – Bauru, SP

    Concordo totalmente Criscio!

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