Quando o “eu” ocupa o centro do debate
Editorial 3VV
O recente embate no Conselho Deliberativo do Palmeiras, entre o conselheiro José Corona Netto e a presidente Leila Pereira, chamou atenção não apenas pelo tom elevado, mas pelo que ele revela sobre como o debate interno do clube tem sido conduzido.
A fala do conselheiro começou como uma crítica à gestão do futebol — contratações, valores investidos, comparações com administrações anteriores. Trata-se de um tipo de questionamento legítimo em qualquer clube grande. No entanto, ao recorrer a ataques pessoais e adjetivações duras, o discurso perdeu força e abriu espaço para que a discussão saísse do campo da gestão e fosse para o campo do confronto pessoal.
Foi exatamente esse o movimento feito na resposta da presidente.
Leila Pereira não rebateu números nem escolhas esportivas. Ela mudou o enquadramento do debate. O que estava em pauta deixou de ser futebol e passou a ser respeito, autoridade e legitimidade institucional. A partir daí, o conflito deixou de ser técnico e se tornou simbólico.
Nesse ponto, um dado chama atenção: ao longo de sua fala, Leila usou a palavra “eu” 14 vezes. Não é um detalhe. O “eu” aparece para reafirmar quem manda, quem responde pelo clube e quem toma decisões. Frases como “eu sou a presidente do Palmeiras”, “eu não fico quieta” e “eu vou tomar providência judicialmente” não são apenas respostas emocionais — são afirmações de poder.
Do ponto de vista retórico, a presidente venceu o embate. Ela encerrou a discussão nos seus próprios termos e deixou o crítico isolado. Mas essa vitória vem com um custo: o Conselho, que deveria ser espaço de debate qualificado, vira palco de confronto personalista. E o torcedor, mais uma vez, fica sem ouvir uma discussão profunda sobre futebol, planejamento e futuro.
O Palmeiras é grande demais para que o debate interno se reduza a quem fala mais alto ou quem tem mais autoridade no microfone. Críticas precisam ser feitas com responsabilidade. Respostas precisam ser firmes, mas também capazes de recolocar a conversa no lugar certo.
No fim das contas, o problema não é o “eu” aparecer. O problema é quando ele passa a falar mais alto do que o Palmeiras.
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Comments (1)
Pinho – Bauru, SP
É isso!!! Perfeito!