Série SAF no Brasil Episódio 2: clube de dono?
Por Vicente Criscio
Muitos torcedores, e por vezes jornalistas e até mesmo representantes de clubes de futebol, associam a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ao clube ser “vendido” a um dono que poderá, assim, fazer o que quiser com a instituição. Mudar a cor da camisa, trocar o clube de cidade, fazer uma gestão com interesses diferentes daqueles do torcedor.
Há muita desinformação e algum exagero.
A SAF nada mais é do que uma lei que facilita a um clube de futebol, ter uma gestão separada do clube social, atrair “acionistas” que assim podem capitalizar o clube, e constituir uma governança com gestores profissionais.
O problema é que no Brasil os clubes mais conhecidos e que abriram esse caminho para as SAFs eram os clubes que estavam endividados e assim a primeira intenção em ir para este modelo era resolver suas dívidas.
Ou seja, um desvio bastante grande do objetivo principal da SAF.
Os que entraram nessa
Como vimos no episódio 1 desta série, os clubes que aderiram a esse modelo estavam com grande necessidade de capital para reorganizar suas finanças.
Assim buscaram ajuda financeira, seja de “mecenas” que tinham alguma ligação afetiva com o clube (caso do Atlético MG e Cruzeiro), ou seja através de fundos de investimento que foram constituídos para este fim (caso de Botafogo, Vasco da Gama).
Há ainda um terceiro modelo: o caso Bahia. Aqui juntou-se a necessidade de capital – uma vez que o Bahia encontrava-se com dívida de R$ 300 milhões – com a estratégia de um grupo de futebol internacional – City Football Group, dono do Manchester City – que vem desde 2013 expandindo suas conexões com diversos clubes de futebol pelo mundo.
Sem querer desviar-se muito do assunto, mas quem gosta do tema “globalização no futebol” veja uma pesquisa de autoria de Juliano Pizaro, da Universidade Federal de Santa Catarina, que explica esse tema num sentido bem mais amplo. Clique aqui e acesse o site para baixar a pesquisa. E nesse link temos um resumo do artigo no próprio site da UFSC.
A era das aquisições no futebol
Até chegarmos no caso Manchester City e Bahia, e antes de nos aprofundarmos nos modelos de SAF, vamos contextualizar as movimentações mais importantes do futebol no mundo que levaram a essa globalização e ao termo “clube de dono” (aqui, quando eu citar “dono” pode significar que a pessoa ou o grupo detém 100% ou pelo menos o controle do capital do clube).
- 1991-1995: Caso Bosman e fim da lei do passe na Europa – Lei Bosman;
- 1996: fim do limite de três jogadores estrangeiros nas Ligas Européias;
- 2001: fim da lei do passe no Brasil;
- 2003*: Roman Abramovich compra Chelsea por 140 milhões de libras esterlinas do antigo proprietário Ken Bates (que mais tarde comprou o rival Leeds United);
- 2005: Família Glazer compra o Manchester United;
- 2008: Sheikh Mansour bin Zayed Al compra o Manchester City por 1 bilhão de euros;
- 2010: o Fenway Sports Group, do americano John Henry, compra o Liverpool por 300 milhões de libras esterlinas;
- 2018: a Kroenke Sports Entertainment (KSE), do bilionário americano Stan Kroenke, passa a ser acionista majoritário do Arsenal; em 2021 Daniel Ek, fundador do Spotfy fez uma oferta de R$ 14 bilhões.
*Os clubes ingleses já eram “empresas” desde a publicação do Taylor Report e a reestruturação do futebol na Inglaterra em 1990.
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Em comum…
O que esses clubes têm em comum? Todos eles possuem mais de um clube de futebol e/ou mais de uma instituição afim (clube de futebol ou time da NFL, NHL, etc).
Por quê? Aparentemente porque cada grupo tem uma estratégia de consolidação do futebol, e entende que ter ramificações pelo mundo ajuda no fortalecimento do time e da sua própria marca global. No limite, como o caso do Scheick árabe, serve também para promover seu país e sua cultura (no caso, os Emirados Árabes).
E tem ainda, por que não citar, os que usam o futebol como “sportwashing”. Termo em inglês que numa tradução livre significa “limpar sua imagem”. Personalidades ou notáveis que tinha uma visibilidade “controversa” nos mercados em que atuava, poderiam usar o futebol para melhorar sua imagem. O caso mais conhecido é o do bilionário e oligarca Roman Abramovich quando ele investiu uma fortuna no Chelsea e levou o então pequeno clube de um bairro londrino a ser um dos mais fortes da Premier League e ser campeão da Champions League e do Mundial (não gosto nem de lembrar disso).
Voltando pra terra brasilis
E o que tudo isso tem a ver com a SAF? Nada. E tudo.
Nada porque a SAF não significa propriamente um mecanismo para o clube ter um dono. Portanto, erra quem a qualifica dessa maneira. E o modelo mais próximo do ideal – claro, na minha opinião – é o do Bayern de Munique, clube onde os torcedores, patrocinadores e o seu clube social, são os acionistas.
Falaremos sobre esse caso em outro episódio.
Mas a SAF tem tudo a ver quando ela dá uma roupagem a um modelo de aquisição que permite que outros clubes, fundos e “donos” de outros clubes no mundo possam vir ao Brasil fazer as compras.
Esse pode ter sido o caso do Bahia e Manchester City.
Assista o episódio abaixo ou clique no link do Canal do 3VV no Youtube.
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Nos próximos episódios falaremos sobre alguns casos de SAF do Brasil, nossa avaliação do que está dando certo e o que está dando errado, e qual o modelo que faria sentido ao Palmeiras e outros grandes clubes brasileiros.
Saudações Alviverdes!
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