Nasceu Campeão
Por Jota Christianini
14 de setembro, 1942.
Noite fria, céu escuro, muito escuro, nenhuma estrela, sombrio, como sombria eram as notícias que chegavam. Eram os homens que entravam, eram as esperanças que pareciam morrer.
Tomasino berrava:
– Por que essa perseguição? Nós somos tão brasileiros quanto eles!
Adalberto lamenta:
– Logo hoje que o Adami não está, nem o Pelegrini, temos que tomar essa decisão, mas o Leonardo taí e vai assumir a Presidência, a reunião vai começar.
O frio era muito intenso, os homens chegavam, alguns poucos de automóvel, a maioria de bonde, desciam na Avenida Água Branca, cruzavam os portões, com a fisionomia preocupada. Era tudo muito difícil, tudo muito injusto.
Paschoal secretariando a reunião avisa:
– Não tem mais tolerância, podemos ter o nosso estádio confiscado e perdermos todos os pontos do campeonato. Querem usar o decreto de março que diz que os bens dos estrangeiros seriam tomados.
Tomasino, fora da sala, escuta e berra :
– E por que ninguém reclamou na Revolução de 32, quando, os atletas do Palestra, fizeram o batalhão de esportistas e foram lutar pela democracia?
Pediam calma, mas Tomasino insistia:
– Quando transformamos o estádio em hospital, epidemia de gripe, não apareceu ninguém para dizer que não éramos brasileiros?
O presidente em exercício, Leonardo tenta falar com a autoridade que exige a mudança de nome ou tomará as medidas drásticas contra o o clube.
Não tem êxito! Passa o telefone ao Capitão Adalberto que argumenta com a lógica: Palestra é um nome grego e que desde março já não somos Itália, portanto o decreto contra nomes estrangeiros não nos atinge.
Não tem êxito também. Não adianta usar os argumentos do presidente do Conselho Nacional de Desportos, João Lyra Filho que escreveu que não ha propósito exigir a troca de nome e que se isso fosse levado a ferro e fogo ele mesmo teria que trocar seu nome, ja que Lyra é o nome da moeda italiana.
Tomasino reune os sócios e começam a encher barricas de gasolina e colocá-las ao redor do estádio:
– Se vierem tomar, nós preferimos tocar fogo do que entregar o que é nosso, compramos com nosso dinheiro. O Palestra não usou dinheiro do governo para comprar o estádio.
Prossegue a reunião. Chega um telegrama, vindo do Corinthians, hipotecando solidariedade ao Palestra. Assina Vicente, um jovem conselheiro, também imigrante.
O doutor Mario pede a palavra e diz que não nos querem Palestra, mas que seremos fortes para prosseguir, pois nascemos para vencer e nada nos destruirá, ainda mais que sabemos muito bem quem está por trás de tudo isso, atrás do nosso estádio e atrás do nosso campeonato.
Vincenzo, fundador do Palestra, dramaturgo, jornalista, astrônomo e ator usa um pouco de cada uma das ocupações para ordenar o recinto.
Não adianta o sangue palestrino ferve.
Três conselheiros saem apressados e cortando a noite pelas ruas escuras vão a casa do Sr. Olival.
Todos esperam, Tomasino e seus amigos, nervosos, circulam pelo estádio de olho nos portões.
Hora depois o carro volta, olhares tristes dos amigos do Tomasino confrontam com os ocupantes do carro, parecem esperançosos.
Olival não só autorizou como fez questão de vir junto, avisa Adalberto.
Reiniciam a reunião. Dr. Mario, completa a frase
– “NÃO NOS QUEREM PALESTRA, POIS SEREMOS PALMEIRAS E NASCEMOS PARA SER CAMPEÕES“.
Enrico diz que o Palestra continua no Palmeiras e Oberdan vai jogar para sempre de azul para lembrar a Itália.
Os gritos de alegria e os abraços contagiam.
O Palestra muda para Palmeiras para continuar sendo Palestra.
Lá fora Tomasino avisa
– Domingo, dia 20 de setembro, vamos dar de relho neles, para mostrar que agora aqui é Palmeiras!
Todos saem abraçados, mais uma etapa estava vencida, a madrugada antes fria parece bem mais agradável, vão todos para a cantina 1060 no Brás. Dizem que faltou vinho naquela noite.
Vincenzo o astrônomo olha para o céu, agora bem mais claro. Olhos fixos:
– Nasceu uma nova estrela, e de primeira grandeza!
***
NOMINATA
- Adami – Italo Adami presidente licenciado do Palestra em 42;
- Pelegrini – Hygino Pelegrini, presidente em exercício que não pode presidir a reunião;
- Leonardo – Leonardo Lotufo, presidente interino na célebre reunião de 42;
- Adalberto – Capitão Adalberto Mendes, capitão do exército que entraria na frente do time no domingo seguinte, dia 20, quando ganhamos do SPFC por 3×1 e na iminência da marcação do quarto gol, eles fugiram do campo;
- Paschoal – Paschoal Walter Byron Giuliano, secretariou a reunião; depois tornou-se um dos maiores presidentes do Palmeiras;
- Enrico – Enrico Di Martino, disse: “O Palestra continua no Palmeiras”; foi presidente do clube, um dos melhores;
- Vicente – Vicente Matheus, conselheiro corintiano que solidarizou-se com o Palestra;
- Doutor Mario – Mario Minervino, advogado, autor da frase, “Não nos querem Palestra, seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”;
- Olival – Olival Costa, presidente da A. A. Palmeiras, sempre grande amigo do Palestra, foi chamado à reunião para autorizar o uso do nome Palmeiras;
- Vincenzo – Vincenzo Ragognetti, fundador do Palestra e primeiro diretor de futebol;
- Tomasino – TODOS NÓS!
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Comments (3)
História & Estória, Verdade e Narrativas – 3VV
[…] Em 1942, uma das disputas mais emblemáticas. Após a tentativa inútil de tomar o patrimônio da SEP, tomaram um sacode de 3×1 no jogo decisivo do Paulistão daquele ano, e ainda, humilhados, fugiram de campo, demonstrando toda a covardia inerente à instituição. […]
lito
Parabéns Jota, torcer para o Palmeiras é diferente em todos os sentidos. Esse clube tão judiado por administrações pífias (como a de agora), mas que por sua força, a da torcida se sustentou em pé. Narrativa sensacional como disse o Diogo Belotto.
Diogo Belotto
Narrativa sensacional, de arrepiar até o fio do bigode. Parabéns Jota, pelo texto e por lembrar a todos os Palmeirenses a nossa origem, sempre honrada. Qualidade esta cada vez mais rara de se encontrar neste mundão! Abraços.