La Nostra Casa

Por Jota Christiannini

Crédito para as fotos: palestrinos.sites.uol.com.br; acervo J. Christianini; Eduardo Roseti

Em 1888 a Companhia Antarctica Paulista, que já existia desde há alguns anos, começou fabricar cervejas em sua propriedade na Água Branca. Os principais acionistas eram os brasileiros naturalizados: João Carlos Antonio Zerrenner e Adam Ditrik Von Bülow.

A Antarctica teve um grande impulso quando incorporou a cervejaria Bavária na Moóca transferindo para lá grande parte da produção.

No terreno da Água Branca fizeram um parque para lazer da população onde se destacavam: cervejaria, salão para bailes, tanque piscoso, rinque de patinação e área para prática de esportes.

O local era o grande centro dos acontecimentos da cidade. Foi lá que o aviador francês, Roland Garros aterrissou com sua avioneta e foi lá que o italiano Dimitri, que tinha uma fazenda em Osasco, fez várias tentativas, uma delas com grande sucesso de arremeter e aterrissar um pequeno avião que ele mesmo fabricara.

Nesta área conhecida como Parque da Antarctica encerrou-se a primeira prova de automobilismo realizada na capital paulistana, “Raid Itapecirica-S. Paulo”, vencida por Silvio Penteado pilotando um FIAT de 50 cc.

Existia um campo para prática de futebol, locado para o América, clube fundado e dirigido por Belfort Duarte. Inicialmente o Palestra Itália tentou alugar o campo de futebol. A Antarctica exigiu anuência do presidente do América. Para isso o Palestra mandou seu conselheiro mais jovem, Vasco Stella Farinelli, já que a viagem até onde estava Belfort Duarte, convalescendo da gripe espanhola em Itatiaia, demandava dez horas de trem e mais cinco no lombo de cavalo.

Tempos depois, 1920, os palestrinos sentiam-se fortes e buscavam mais. O uso do campo era bom, mas lá ainda não era “la nostra casa”.

— O Palestra precisa ter a sua própria casa.

Os adversários e a sociedade paulistana ironizavam.

— Qual o que? Não vão conseguir nem o dinheiro para o aluguel, quanto mais comprar o campo.

Bônus foram lançados, campanhas de arrecadação mobilizaram toda a colônia italiana. Todos queriam colaborar. Os funcionários e diretores das Indústrias Matarazzo após o expediente atendiam os torcedores do Palestra que desejavam colaborar.

A Cia. Antarctica exigia 500 contos para vender 150 mil metros da propriedade, conservando o Parque onde estava a cervejaria.

Além do preço faziam outras exigências. Discutiu-se muito, até que no dia 27 de abril de 1920 o presidente da Palestra, Menotti Falchi, acompanhado de David Pichetti, compareceu ao Tabelionato Veiga.

O Palestra entregou ao senhor Asdrúbal do Nascimento representante de Antônio Zerrener, presidente da Antarctica, que estava na Alemanha, o cheque no. 09743 visado pelas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, de 250 contos, e mais duas letras hipotecárias dividindo o restante em duas parcelas, vencíveis no último dia do ano de 1921 e 1922.

Além do pagamento a escritura descrevia as exigências da Antarctica para vender parte da gleba de terra:

a) manter sempre uma das entradas de modo que os frequentadores do Parque da Antarctica possam passar diretamente para o campo de esportes e vice e versa;

b) indicar em todos os reclames e anúncios que o estádio está situado junto ao Parque

da Antarctica;

c) não permitir sob hipótese alguma, que nas dependências do parque e do estádio, fossem vendidos, distribuídos, ou feita propaganda, de produtos que não pertencessem à Antarctica;

d) conceder ingresso livre e permanente aos diretores da Cia. Antarctica a todas as festas e jogos que se fossem realizados na praça de esportes, reservando-lhes na arquibancada especial.

Essas exigências exauriram-se no decorrer do tempo, a última delas relativa aos anúncios e venda de bebidas, em 2003.

Também ficou acertado que no caso de o Palestra atrasar alguma das prestações, seria cobrada uma multa de 20% na dívida em aberto e juros de 9% ao ano.

Na escritura, a diretoria do Palestra fez constar que a praça de esportes teria denominação de Stadium Palestra Itália; nome estendido a toda propriedade em 1958 com a visita do presidente da Itália, Giovanni Gronchi.

A compra feita pelo Palestra foi noticiada com espanto pelo Correio Paulistano, Estado de S. Paulo e pelo Diário Popular que não acreditavam pudesse o clube dos italianos ter êxito naquela empreitada.

Concluída a compra a próxima meta era transformar o modesto campo de futebol num verdadeiro estádio.

O arquiteto italiano Ettore Battiti venceu a concorrência e apresentou o projeto de construção que não prosperou, já que como se vê na foto não era exatamente de bom gosto.

Os palestrinos gastaram cerca de 100 contos na melhoria do estádio que sediou os principais jogos da cidade, servindo até para o primeiro jogo da seleção brasileira, realizado no Estado.

A primeira parcela foi paga com dificuldades, mas a última não foi possível pagar, mesmo com prorrogação de prazo. Não restava alternativa se não vender parte da propriedade. Muito se discutiu sobre isso; alguns não admitiam vender, outros ponderavam.

Era vender uma parte ou perder tudo.

Prevaleceu o bom senso e 60 mil metros, dos 150 mil adquiridos em 1920, foram vendidos para a Indústrias Matarazzo – aquela parte, esquina com Avenida Pompéia, onde recentemente foi construído um shopping.

O Palestra recebeu 180 contos pela parte vendida, pagou o que devia mais encargos para a Antarctica e obteve um pequeno lucro.

Era o primeiro passo do gigante, aqueles abnegados que tanto fizeram para comprar a nossa casa, já sonhavam que tudo aquilo era apenas o começo.

No íntimo de cada um era impossível esquecer a frase inconveniente com que eram execrados por quem considerava insólita a ascensão daquela gente, que falava alto e gesticulava muito.

— Onde pensam que vão esses italianinhos?

Os italianinhos já sabiam! Eles sabiam muito bem.

Comments (1)

  1. Claudio Longo

    JOTA , A HISTORIA VIVA DA SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS!

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