A remuneração e profissionalização dos árbitros no Brasil

Por Oiti Cipriani

No último dia 19 de setembro o ex árbitro e ex Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Wilson Luiz Seneme, concedeu uma entrevista ao Globo Esporte, falando sobre a remuneração e profissionalização de árbitros brasileiros. Vamos reproduzir abaixo algumas considerações deste profissional, que conviveu por mais de duas décadas como árbitro internacional FIFA e dirigente da Conmebol além de ter presidido a comissão de arbitragem brasileira.

Vamos reproduzir algumas considerações de Seneme na matéria do ge.com (https://ge.globo.com/abre-aspas/noticia/2025/09/19/seneme-diz-que-arbitros-ganham-mal-e-sao-carentes-elege-o-melhor-do-brasil-e-crava-sistema-e-falido.ghtml).

Sobre remuneração

Seneme: “Um árbitro na Conmebol ganha US$ 3.300,00 num jogo. Convertendo para reais, são R$ 17.400,00 na cotação atual. A título de comparação, Raphael Claus, que é considerado um dos melhores árbitros do mundo, ganha R$ 8.000,00 para apitar um jogo. A princípio pode parecer muito, mas quantos árbitros como Raphael Claus temos no Brasil? Apenas um. Então nós não estamos falando de uma profissão comum. É como comparar o Arrascaeta, que ganha milhões, com o árbitro. Imagine um jogador que ganha milhões que o Raphael Claus apita, e ele ganha R$ 8 mil por jogo. [sic]”

Vamos ser conservador e tendo em vista que o Campeonato Brasileiro e Copa Libertadores da América, atualmente, compreendem o período de março/abril até dezembro e um árbitro FIFA seja escalado em apenas um jogo por mês na Conmebol, e, ainda, tenha seis escalas mensais no campeonato nacional, este receberia durante o ano cerca de R$ 650.000,00, isto sem contar as despesas de locomoção, diária, etc. A título de informação normalmente os árbitros fazem parcerias com agências de viagens e conseguem um valor abaixo do mercado, gerando um excedente para eles quando reembolsados pelo valor nominal de sua escala.

Para termos uma imagem melhor de valores, visitamos o site da CBF para ver a relação receita/despesa do jogo Grêmio x Atlético Mineiro, 1ª rodada do Brasileiro. Neste jogo, os profissionais designados foram seis de São Paulo, um do Rio de Janeiro e um do Distrito Federal. Esta quantidade de profissionais refere-se somente para o trabalho dentro de campo, e não estão incluídos os profissionais de cabine do VAR, técnico de vídeo, etc.

Neste jogo o valor total de ingressos vendidos foi de R$ 1.175.509,00, para um público de 19.876 pagantes. Deste total, foi deduzida uma despesa de R$ 395.537,19, com R$ 33.145,00 de taxa de arbitragem e mais R$ 31.783,31 de diárias, hospedagem, etc, fora os impostos decorrentes destes valores (cerca de R$ 8.500,00). O Grêmio, clube mandante, ficou com o valor líquido da renda auferida, de R$ 779.971,81. Estas diárias são majoradas em jogos da Conmebol, em razão de viagens mais longas, hotéis com pagamento em dólares, etc.

Consultamos também os documentos da partida Red Bull Bragantino x Sport, na 23ª rodada do Brasileiro 2025. A equipe de arbitragem escalada foi do Rio Grande do Sul. Neste caso, o total de público pagante foi de 3.505 pessoas, gerando uma renda de R$ 99.520,00. Pasmem os senhores, que o valor total de despesas foi de R$ 250.302,02, gerando um déficit para o RBB de R$ 150.782,02. Deste total, R$ 37.807,15 foram custos de taxas de arbitragem e R$ 20.703,71 + 926,85 de logística e diárias de arbitragem.

Estes jogos com menor apelo de público e da mídia, somados a péssimas gestões diretivas, desemboca em clubes em situação pré-falimentar, devendo salários, pagamentos estruturais, etc. Nós só vemos a ponta do iceberg, que são os times de maior apelo popular, mas façamos um exercício de imaginação e como sobrevive clubes das séries mais baixas como C/D (podemos incluir também a série B).

Sobre remuneração e tempo de bola rolando

Um outro ponto a considerar sobre a remuneração dos árbitros é a relação de tempo de bola rolando, no campeonato brasileiro série A e jogos internacionais (Taça Libertadores e Copa do Mundo de Clubes) e valores recebidos por tempo real de trabalho.

Consultamos nossas matérias do site www.3VV.com.br em 10 jogos de cada segmento escolhido e tivemos uma média de 53,2 minutos/jogo no Brasileiro e 52,3 minutos/jogo internacional. Nessa amostragem concluímos que os árbitros receberam R$ 150,94 por minuto “útil” (bola rolando) apitado no brasileiro e R$ 332,69 em jogos internacionais.

Neste caso existe uma enorme colaboração dos profissionais do apito nestes baixos minutos de bola rolando, o que “encarece” o custo da arbitragem por minuto útil.  

Sobre formação e profissionalização

Seneme: “A profissionalização para o árbitro é um benefício, ótimo, mas e para o futebol? Quem pensa em profissionalizar um árbitro tem que pensar no futebol, não pensar no árbitro. Profissionalizo, pago todos os impostos desse cara e ele continua a mesma pessoa, cometendo os mesmos erros? Qual é o investimento que você está fazendo? Isso tem que ser pensado muito mais estruturalmente para a carreira de um árbitro do que os aspectos de benefícios e segurança. Não vejo em nenhuma parte do mundo o modelo ideal de um árbitro profissional.”

Na Inglaterra, os árbitros de primeira linha da Premier League são profissionais da arbitragem, mas … o tamanho territorial da Inglaterra é de 130.279 Km² e do Estado de São Paulo 248.219 Km² e do Brasil 8.510.000 Km². Estes números são para demonstrar quais seriam as dificuldades de logística para se implementar a profissionalização de arbitragem no Brasil.

Além da questão geográfica, teríamos questões práticas: como os árbitros seriam treinados? teriam um espaço próprio, como os jogadores têm na Granja Comari? qual seria o escalonamento de remuneração?

Aliado a estas dificuldades – territorial, logística, treinamento, deslocamento, etc – quais seriam os critérios para a seleção dos árbitros? Os dez árbitros FIFA? Poderia serem estes e acrescentados os árbitros CBF básicos mais bem ranqueados?

Como sabemos, pela qualidade de nossos árbitros FIFA, tem muita promoção a base do QI (Quem Indica) ou apadrinhamento, ou ainda promoções políticas do toma lá / dá cá. E quem vai garantir que na aludida profissionalização, também não teríamos estes mesmos vícios?

E os Árbitros Assistentes, também seriam profissionalizados? Quantos? Todos os 400 árbitros, aproximadamente, da CBF? Ou se criaria uma casta privilegiada?

E esta suposta formação e profissionalização, dado que de imediato (provavelmente) não abraçará todos os árbitros do Brasil, iria gerar uma nova “casta” de com valores diferenciados? Ou a CBF continuaria com a mesma forma de pagamento atual, mesmos valores e mesmo processo?

E quanto ao custo desta profissionalização, quem arcaria? Os clubes, com suas combalidas finanças?

Conclusão e reflexão

Como escrito neste texto, temos cerca de 400 árbitros no Brasil, e campeonatos brasileiros das séries A, B, C, D com um total de 124 clubes, com 20 clubes em cada uma das séries A/B/C e 64 clubes na série D, divididos em 8 grupos de 8 equipes cada grupo.

Ou seja, considerando somente os finais de semana, temos em média 208 profissionais escalados, sem contar árbitros de vídeo. Isto só estamos falando de Campeonato Brasileiro, pois temos ainda Copa do Brasil e escalas da Conmebol, que aumentam o número de profissionais necessários.

Temos que reconhecer que a pessoa para ser árbitro tem que ter aptidão para o trabalho. Como dizia um antigo árbitro CBF, com um pensamento um tanto enviesado, que dentre os elementos menos importantes de um jogo de futebol, o árbitro está incluído neste rol (apesar de que o ilustre anônimo que proferiu esta frase tenha esquecido que sem árbitro não tem jogo).

Entretanto, querer comparar os valores recebidos pelo árbitro em relação aos jogadores (como fez o Seneme no início da sua entrevista) parece ser um tanto quanto surreal, visto os jogadores terem uma imagem muito mais midiática que os árbitros. Tanto que jamais vimos um torcedor ir a uma loja e comprar uma camisa de árbitro, ou talvez fazer um merchandising de qualquer produto. Aliás, sobre este ponto, ainda permanece a visão arcaica dos nossos dirigentes de que árbitro de futebol, mesmo sendo uma figura pública, não pode dar entrevistas ou fazer qualquer tipo de propaganda, exceto nos uniformes, que geram dividendos para as entidades promotoras do evento. Mas este é tema para outro post reflexivo.

O ponto central da discussão sobre a profissionalização é que, apesar de necessária, ainda restam muitas perguntas e dúvidas a serem respondidas. É muito romântico dizer que a panaceia para solucionar a combalida e sucateada arbitragem brasileira seria a profissionalização, principalmente para um país com tamanho continental como o nosso, e com um futebol administrado por amadores que pensam primeiro no próprio umbigo (vejam a ação movida pelo Flamengo), onde impera a máxima de “se o pirão é pouco, meu prato primeiro”.

Mas, a intenção de profissionalização da arbitragem ainda é somente algumas vozes clamando no deserto e nada mais que alguns balões de ensaios que foram lançados. Única certeza que temos, é que alguma coisa precisa ser feita, pois é impossível continuar com os clubes investindo bilhões de reais e ficarem nas mãos de profissionais despreparados, que podem jogar no lixo todo o trabalho e investimento de um ano.

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Comments (1)

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