Reflexões antes, durante e depois da quinta-feira
Por Erika Gim
Depois do jogo de quinta, eu pensei em me afastar do futebol e reservar meu domingo para assistir A Bela da Tarde novamente. Ou para ler um Dostoiévski fininho, só para passar o tempo.
Na sexta-feira, porém, eu já estava relembrando os lances e digerindo a derrota com pizza e um pouco de álcool.
E no sábado, eu já estava ansiosa acompanhando os jogos e fazendo contas pelo pontos que precisamos no Brasileirão.
Hoje estou aqui querendo registrar o que vivemos desde o último e fatídico jogo da semifinal da Libertadores de 2023.
A quinta-feira…. antes do jogo
Foi um dia absurdamente tenso. Intuitivamente, eu sentia que não daria. Semanas antes, quando vi Dudu prender o pé no nosso gramado, cair e pouco depois ser substituído, pude prever o futuro, sei lá como. Mau pressentimento ou pessimismo, ou as duas coisas juntas.
O fato é que de quarta para quinta-feira dormi muito mal, amanheci com enxaqueca e picos de pressão alta. “Hoje não vai dar”, pensava comigo mesmo enquanto fazia uma reunião. E flashbacks difusos eram projetados na minha mente: 2000, 2001, 2018, o primeiro jogo de 2023…
O dia passou, o trabalho exigiu mais de mim do que nunca, e, ao chegar em casa, por volta das 8 da noite, eu era uma mulher desesperada ambulante. Enxaqueca, dor de estômago e péssimos pressentimentos. Dois comprimidos e uma garrafa de água com gás depois, eu era um corpo caído no sofá vendo pelo celular um corredor verde de gente embaixo de chuva abraçando emocionalmente um ônibus, num clamor silencioso: nos vinguem pelas derrotas passadas!
Com a dor de cabeça já em nível suportável, a lembrança foi de 2020, contra o River: tivemos corredor verde e perdemos, num dos momentos mais nervosos e paralisantes da minha vida. A diferença de lá para cá é que lá tínhamos construído um excelente placar inicial.
No jogo de quinta passada precisávamos ganhar e não ir para os pênaltis, em hipótese alguma. Todos sabíamos disso. E aquela multidão, aquela fumaça verde envolvendo o ônibus queria abençoar o time, revesti-lo de poder para uma luta que seria travada muito além do campo de futebol. Era uma cerimônia para preparar nossos guerreiros para a luta de forças invisíveis que os aguardava. Sabíamos disso.
O Jogo…
O jogo começou e agora eu era um corpo trêmulo e errante na minha sala. Fiz de tudo: assisti do jeito que costuma dar sorte, não respondi mensagens de quem costuma dar azar, apelei para as orações de desespero, e acabou o primeiro tempo. Eles ganhavam, um chute a gol, um gol.
No intervalo, ouvi a música que sempre ouço em finais, High Hopes, do Pink Floyd. Meu filho, que conhece o ritual, disse que eu já estava apelando. Pode ser. Era uma semifinal, mas o que o palmeirense queria era o fim de uma maldição. Então, de certa forma, poderia ser uma final espiritual. Ouvi a música, “the grass was greener/the light was brighter”. E o segundo tempo foi outro.
Nossa superioridade em campo nos garantiu um gol, mas foi travada na batalha do antijogo. A catimba não punida garantiu o empate, que era o objetivo do rival. Seis garrafas de água com gás depois, pênaltis. Ajoelhei. Sabia que defenderíamos o pênalti de Cavani. Bingo. Sabia que nosso príncipe não marcaria o dele. Bingo. Mas não imaginava que nosso capitão perderia. Já era.
Maldição reloaded!
O ponto crucial era não sermos desclassificados por eles novamente. Fomos. Estávamos esperançosos de que esse time seria capaz de quebrar mais esse tabu e vingar os anos anteriores. Chegamos perto de conseguir, mas não conseguimos.
O amargor que se instaurou após o jogo foi absurdo. Porém, é inegável que era uma desclassificação até muito provável. Um time vitorioso como esse do Palmeiras que testemunhamos tem seus momentos de ressaca e suas entressafras. Sem reposições à altura para jogadores que saíram do elenco e ainda com a baixa de seu principal guerreiro, seu jogador de referência e que tem identidade máxima com o torcedor, era previsível.
Mesmo assim, apesar da previsibilidade da eliminação, o torcedor ensaiou um movimento nocivo de não aceitação e de revolta. Passionalidade e patologia compartilham origens etimológicas, e os palmeirenses exemplificam tais evidências linguísticas na arquibancada, seja ela real ou virtual.
Além dos motivos sabidos de falta de elenco, escalação, catimba do adversário e conivência com ela por parte da arbitragem, qual a razão por termos sido eliminados mais uma vez pela camisa amarela e azul?
Nas estatísticas, fomos muito superiores. Perdemos no antijogo.
Na minha opinião (e eu não quero nunca ter razão – só quero ser feliz, como diz o poeta) nosso comandante, que vem de outra cultura e tem outra ética de postura de jogo dentro do campo, não sabia o que enfrentaria. Nós sabíamos porque sentimos na carne e sangramos por 2000, 2001 e 2018. Ele não. Tenho certeza que estudou o adversário, os fatídicos jogos antigos e se preparou tecnicamente, pois é competente e trabalha demais em busca do melhor resultado para nós. Não tenho dúvidas disso.
Porém, ele não imaginava o que enfrentaria em relação ao extra campo, às forças que estariam em confronto nesse jogo, transcendendo as quatro linhas. Para o palmeirense, era uma batalha do BEM versus o MAL, contra uma maldição. E para saber como ganhar uma batalha dessas, só estando nela. Só vivendo e sendo golpeado para entender sua dimensão. Nada pode te preparar para isso a não ser a experiência de vivê-la e de carregar todas as feridas depois dela.
Abel passou por ela e não perdeu… mas…
… o empate nos tirou a vaga na final, confirmando nossos maus presságios.
Por isso, penso que devemos permitir a Abel e ao time, que caíram em pé e com dignidade, que curem os machucados e ostentem futuramente as cicatrizes dessa batalha.
Não podemos nos esquecer: uma Recopa perdida, a seguinte foi vencida; uma Supercopa perdida, a seguinte foi vencida. Ele tem sede de vencer. E aprende muito quando perde.
A melhor torcida do mundo vai apoiar seu comandante e seus guerreiros. Porque quando surge o alviverde imponente, no gramado em que a luta o aguarda, sabe bem o que vem pela frente e que a dureza do prélio não tarda!
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Erika Gim escreve a coluna Pérola aos Porcos no 3VV, com a sensibilidade e a paixão de uma grande Palestrina.
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Luis Carlos
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